quarta-feira, 16 de maio de 2018

Por Rodrigo Barchi - A culpa não é de Paulo Freire

Artigo publicado no jornal Cruzeiro do Sul da cidade de Sorocaba SP, onde Rodrigo Barchi faz uma defesa radical do legado de Paulo Freire.

#PRATIQUE Leitura

A noção absurda de que a culpa pela falta de qualidade e pelo sucateamento da educação pública brasileira é devido à influência exercida pelo pensamento do educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997) se tornou amplamente divulgada por setores mais conservadores e reacionários da sociedade, especialmente através das redes sociais. As acusações mais notórias são de que Paulo Freire buscava, a partir de seus escritos, transformar a educação brasileira e mundial em uma lavagem cerebral de cunho marxista nas escolas, que faria das crianças e adolescentes uma horda de revolucionários comunistas, ateus, promotores da destruição da família tradicional e cristã.

Divulga-se, equivocadamente, a noção na qual antes da influência de Paulo Freire, ocorria uma situação de plenitude social, política e econômica. Esse débil sofisma, inclusive, se dissemina entre alguns profissionais da educação, saudosos de uma fictícia bem sucedida escola disciplinar, mas cuja violência contra as crianças não permitia o livre pensar e o exercício de autonomia, além de seu caráter elitista, excludente e hierarquizante.

É necessário não somente uma contundente refutação contra essas calúnias, mas também esclarecer, de forma enfática e radical, que longe de ser culpado pela interminável crise da educação brasileira, e da frágil condição dos educadores e educadoras do Brasil, o pensamento de Paulo Freire esteve muito longe de ter sido implantado como política pública de educação no país. Muito menos como uma "doutrinação ideológica".

Não é porque a sua imagem foi amplamente divulgada e popularizada pelos documentos oficiais dos Ministérios da Educação e do Meio Ambiente durante os governos Lula e Dilma, e alguns trechos de sua obra foram utilizados na elaboração desse material, que o pensamento freireano foi posto em prática ou implantado em larga escala por todas as secretarias estaduais e municipais, assim como pelas unidades de ensino.

Os artigos ou vídeos de detratores e pseudocelebridades de internet estão muito longe de conhecer o universo da educação, não sendo capazes, realmente, de entender como as perspectivas freireanas intervêm ou não na construção das políticas públicas estaduais e municipais. Sobre isso, os sérios diagnósticos e a análises realizados pelo esforço sério de colegas pesquisadores e entidades científicas em educação, muitas e muitos dos quais já realizam esse trabalho há décadas, não indicam de modo algum as aberrações que citei no começo desse texto.

Paulo Freire não pode ser culpado pela falta, desde a criação dos primeiros departamentos nacionais de educação no século 19, de políticas públicas de formação de qualidade de profissionais em educação; pelos escassos e agora congelados recursos dados à educação, à ciência e à tecnologia; pelo constante uso da educação em negociatas escusas e corruptas, como nos casos de desvio de verba de merenda, de superfaturamento em compra de materiais escolares e pelos lobbies nefastos exercidos por mecenas, que veem a educação unicamente como negócio, e não como dimensão imanente à formação humana.

Se estivéssemos, em larga escala, promovendo uma educação que levasse em consideração os saberes dos discentes e docentes na construção dos currículos escolares, que promovesse o diálogo e as diferenças, que alfabetizasse e esclarecesse as diversas possibilidades de entender o mundo, que diminuísse as mazelas sociais e ambientais, e que construísse sociedades mais justas, solidárias, tolerantes e criativas, talvez Paulo Freire pudesse ter "culpa" em algo. Quem dera, se ele a tivesse...

O professor Rodrigo Barchi é doutor em Educação pela Unicamp, Mestre em Educação pela Uniso, especialista em Educação Ambiental pela EESC-US - rodrigo.barchi@uniso.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário